Idosa fazia serviços domésticos na cidade de São Paulo sem receber salário desde 1989. Família deverá pagar a ela R$ 800 mil. Cabe recurso.
Um casal que manteve por mais de 30 anos uma trabalhadora doméstica em condições análoga à escravidão foi condenado pela Justiça a pagar R$ 800 mil em salários atrasados e indenização por danos morais. Cabe recurso à decisão do TRT-2.
No cálculo do valor estão inclusos direitos que a vítima tem pelo período que prestou serviços à família sem receber salário. O caso corria pela 30ª Vara do Trabalho de São Paulo, pela juíza Maria Fernanda Zipinotti Duarte.
Segundo depoimento da vítima, ela foi procurada no abrigo em que morava para trabalhar como empregada doméstica na casa do casal. Ela deveria cuidar do filho pequeno da família em troca de um salário mínimo por mês.
No entanto, ela nunca chegou a receber pagamento pelo trabalho, nem usufruiu de férias ou períodos de descanso. Entre as obrigações estavam limpar a casa e servir as refeições para toda a família dentro de uma jornada que se iniciava às 6h e terminava além das 23h.
A ação foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho com base em denúncia feita pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas-Mooca) após pedido de ajuda feito pela idosa a outra entidade assistencial da Prefeitura de São Paulo.
Uma primeira tentativa de receber auxílio ocorreu em 2014 na mesma instituição. Na ocasião, houve uma conversa com o casal e foi acordado que eles registrariam o vínculo de emprego da vítima e pagariam os créditos trabalhistas devidos. O acordo não foi cumprido.
O casal se defendeu. Os dois alegam que mantêm laços familiares com a mulher. Argumentaram que a vítima tinha liberdade de ir e vir, mas que por “opção própria saía pouco de casa”. Ainda afirmaram que retiraram a doméstica de situação de rua.
Também negaram o trabalho em condições análoga à escravidão. Ainda segundo eles, a “ação é um exagero”. E que forneciam “tudo o que ela precisava”, como casa, comida, roupas, calçados e dinheiro para cigarros e biscoitos.
“A trabalhadora desprovida de salário por mais de 30 anos não possui plena liberdade de ir e vir. Não possui condições de romper a relação abusiva de exploração de seu trabalho, pois desprovida de condições mínimas de subsistência longe da residência dos empregadores, sem meios para determinar os rumos de sua própria vida”, escreveu a juíza.
Foi reconhecido o vínculo de emprego entre a idosa e o casal de janeiro de 1989 a julho de 2022 na função de empregada doméstica, com salário mensal de R$ 1.284 (salário mínimo à época da rescisão). A Justiça determinou que os réus registrem a CTPS da idosa independentemente do trânsito em julgado da decisão, sob pena de multa diária de R$ 50 mil reversível à idosa.