Conforme destaca Paulo Cabral Bastos, um fenômeno curioso vem ganhando espaço nas cozinhas de alto padrão: a valorização dos sabores que remetem à infância e a memória afetiva, a “comfort food”. Em um tempo em que a sofisticação se funde com a simplicidade, pratos como arroz doce, bolo de fubá e galinhada retornam ao centro da cena gourmet, despertando emoções e memórias afetivas.
Essa retomada não é apenas um modismo, mas uma resposta emocional aos tempos acelerados e incertos. Diante da instabilidade e do excesso de estímulos modernos, chefs e comensais buscam refúgio em experiências sensoriais que acolhem e reconectam raízes familiares. A cozinha afetiva, nesse contexto, surge como uma forma de conforto e identidade, trazendo de volta receitas que atravessam gerações.
O que torna os sabores da infância tão marcantes?
O paladar é uma das principais portas de entrada para a memória afetiva. Um simples cheiro de pão assando pode transportar alguém diretamente para a cozinha da avó, ainda que essa lembrança tenha décadas. Paulo Cabral Bastos aponta que essa conexão entre gosto e lembrança é uma das mais fortes experiências emocionais que o ser humano pode vivenciar, sendo capaz de influenciar preferências até mesmo na vida adulta.
Essa força está ligada à formação emocional durante os primeiros anos de vida, quando refeições em família, aniversários e momentos de aconchego moldam as referências de afeto e prazer. Por isso, quando chefs trazem esses sabores para o ambiente gourmet, não estão apenas reinventando pratos, mas também resgatando histórias que tocam o emocional de seus clientes.

Por que os chefs estão apostando na simplicidade?
Em meio a espumas sofisticadas e técnicas complexas, há uma busca crescente por autenticidade e verdade nos sabores. Pratos que remetem à infância carregam uma honestidade que seduz o paladar contemporâneo. Paulo Cabral Bastos destaca que muitos profissionais da gastronomia passaram a entender que emocionar o cliente pode ser tão importante quanto impressioná-lo com inovação.
A simplicidade, nesse caso, não é sinônimo de amadorismo, mas de propósito. Um pudim bem feito, por exemplo, exige técnica e sensibilidade para atingir o ponto ideal e despertar aquela sensação de “feito em casa”. Nos cardápios atuais, essa estética do afeto vem acompanhada de uma apresentação refinada, equilibrando memória e sofisticação de forma harmônica.
Como o mercado está reagindo a essa tendência?
Restaurantes, confeitarias e até grandes redes têm investido em cardápios que incluem receitas tradicionais com toques autorais. A demanda por pratos afetivos tem crescido justamente por refletir o desejo das pessoas por experiências mais humanas e próximas da realidade. Paulo Cabral Bastos explica que essa valorização dos sabores do passado tem impulsionado o mercado a resgatar ingredientes regionais e modos de preparo esquecidos.
Sabores que acolhem
A volta dos pratos afetivos evidencia a necessidade de pertencimento, memória e acolhimento em tempos de transformações constantes. Ao incluir receitas que tocam o emocional e o sensorial, os chefs também emocionam seus clientes, criando experiências completas à mesa. Paulo Cabral Bastos reforça que o poder da cozinha afetiva está na sua capacidade de contar histórias e despertar sentimentos. É esse poder narrativo, envolto em aromas e sabores familiares, que tem garantido aos pratos da infância um espaço nobre na alta gastronomia. Afinal, comer bem é também lembrar de onde se veio.
Autor: Vogel Huber